Nosso problema era a sutileza. Não que fôssemos médios, mornos, beges ou sem graça. Certamente que não! Acontece que o excesso de dualidade e nuance e verticalidade e tonalidades e, sei lá!, todas essas palavras que por mais que tentem não explicam a coisa em si, impediam que víssemos com clareza o que não queríamos ver mas víamos: o fim.
Não me refiro a um fim the end. Um fim final, tipo o adeus que a gente dá para os personagens de um filme depois que ele acaba. Mas um fim do que a gente tinha, da forma como a gente tinha. Um fim das coisas como elas eram.
Tá. Bem sei que nada do que hoje é pode continuar sendo o que já foi, e que tudo o que é deixa de ser justamente conforme vai sendo. Ainda assim, existe uma diferença entre continuar sendo mesmo que mudado, e entre se transformar numa coisa outra. Coisa outra que, não é que era ruim – muito pelo contrário-, mas que talvez não fosse o que a gente queria. Tal-vez. Esse era o problema.
Ai ai.
Às vezes eu queria era que você me decepcionasse. Me traísse, me olhasse com indiferença, contasse mentiras descaradas, derramasse whisky na minha perna, puxasse meu cabelo e rasgasse meu vestido.
Em troca eu te xingaria, fumaria mil cigarros, daria um tapa na sua cara, choraria aos seus pés, borraria a maquiagem e juraria nunca mais te encontrar.
Nos odiando, seguiríamos cada um pra um lado. E aí, quem sabe, caberia um fim the end.
Mas não. Éramos sensatos demais, inteligentes demais, refinados demais. Cordiais e sensíveis, respeitávamos um ao outro. Respeitávamos a nós mesmos. Você me olhava daquele jeito, me dava seu colo, seu silêncio e seu carinho. Sentados no sofá da sala, o telecine no mute e a cerveja já meio quente, juntos e em silêncio, conversávamos com a nossa dor. Sem whisky, sem tapa na cara, sem grito. Só eu, você e a nossa solidão. Eu, você e a nossa história. Eu, você, e nosso pequeno mundo que, teimoso, insistia em pedir pra ficar. Sóbrios, conscientes e inconsoláveis. O Almodóvar acontecia aqui dentro.
No lugar do the end e dos créditos indicando os mil e um personagens que cada um havia interpretado, tinha a vida que, sem representação nenhuma, nos observava e dizia: “it´s up to you, meninos.”
Ela não forçava. Deixava que tomássemos o nosso tempo – mesmo que não fizéssemos a menor ideia de quanto tempo fosse. Esperava paciente, como se soubesse melhor do que a gente como é difícil dizer tchau quando não existe o ódio para amortecer o amor. Porque sim, não tinha ódio nenhum. E, sim, tinha o amor. Muito. Sempre vai ter.
Receio que poderíamos ter ficado a vida inteira ali. Entre risadas, pizzas, tédio, conversas sempre gostosas e beijos com gosto de boca, café e colgate. Ali, meio felizes, meio sei lá. Ali, sem saber. Ali, como milhões.
Mas não. Éramos sensatos demais, inteligentes demais, refinados demais. Cordiais e sensíveis, respeitávamos um ao outro. Respeitávamos a nós mesmos. Nosso problema era a sutileza.
Talvez.
been there… tudo o que eu posso dizer é isso.
“Sóbrios, conscientes e inconsoláveis. O Almodóvar acontecia aqui dentro”
Genial!!!!!!!
Caraca. Te vi aqui. Adorei!